TEORIAS DA SUPERIORIDADE

O livro mais completo sobre humor!

Não existe uma teoria da superioridade, mas um conjunto de teorias elaboradas por diversos pensadores, que foram classificadas sob esse mesmo título. O motivo é bem simples, por muito tempo, o riso esteve associado à zombaria e à pilhéria. Durante séculos, na verdade, milênios, essas foram as teorias mais aceitas para explicar o que nos faz rir. O vasto repertório de piadas racistas, misóginas, machistas, homofóbicas e xenófobas parece confirmar a teoria.

O humorista sempre teve um traço de soberba, ao colocar-se em um lugar privilegiado de onde pudesse criticar com certo distanciamento o comportamento dos poderosos, as mazelas da sociedade, as leis absurdas ou, por outro lado, as excentricidades, e os desvios das normas. Mesmo o humor autodepreciativo parece apressar-se em rir de si mesmo, antes que os outros o façam, como lembra uma famosa piada de Groucho Marx: “Se você acha difícil rir de si mesmo, eu ficaria feliz em fazer isso por você”.

Como observa o comediante Tom Papa, por mais que nos esforcemos, sempre cometeremos algum erro que nos fará parecer ridículos por isso melhor seria que baixássemos as nossas expectativas: “A vida não é perfeita. Nunca foi, nunca será. Todos temos coisas para resolver. Você está bem. E daí que você é gordo? Quem se importa? Todos somos gordos. Ou você é muito gordo, meio gordo ou está tentando não ficar gordo. De qualquer forma, a gordura está vindo.”

Platão, que não tinha o riso em alta conta, acreditava que só se deveria rir dos estrangeiros e escravos, por exemplo. O riso, nesse caso, estava evidentemente ligado à ofensa e à ridicularização. Segundo Platão, a comédia surge do escárnio malicioso. Em Filebo, o filosofo defende a ideia de que rimos da presunção ou da fraqueza dos outros: “a vã presunção da beleza, da sabedoria e da riqueza, são ridículas se forem fracas, e detestáveis quando são poderosas: não podemos dizer, como eu estava dizendo antes, que nossos amigos que estão nesse estado de espírito, quando inofensivos para os outros, são simplesmente ridículos?[1]

Aristóteles, dizem, até escreveu um livro inteiro sobre o assunto, mas esse volume teria se perdido. Seja como for, podemos extrair de sua obra o que ele pensava sobre a comédia: a “imitação de pessoas inferiores; não, porém, com relação a todo vício, mas sim por ser o cômico uma espécie de feio. A comicidade, com efeito, é um defeito e uma feiura sem dor nem destruição”.[2] Bem mais complacente com a comédia do que Platão, Aristóteles, entretanto, reforça certo desprezo pelo gênero ao compará-lo à tragédia. A comédia, segundo ele, representaria os homens piores do que eles são: “procura esta [a comédia] imitar os homens piores, e aquela [a tragédia] imitar os homens melhores do que eles ordinariamente são.”[3]

O crítico literário britânico Terry Eagleton reforça que é antigo o argumento “de que o humor surge da gratificante percepção da fragilidade, estupidez ou absurdidade dos outros seres humanos”. Ele nos dá exemplos desse riso desdenhoso e pouco afável encontrado, por exemplo, nas escrituras citando o Livro de Salomão “no qual Jeová ri das calamidades que reservou para os iníquos”. Lembra ainda de uma tradição ligada a Santo Agostinho “na qual Deus ri zombeteiramente dos pecadores no inferno”. Ainda segundo Eagleton “a primeira risada da literatura ocidental ocorre no Livro 1 da Ilíada, quando os deuses zombam do manquejar de Hefesto, o deus do fogo”.[4]

Mesmo na Renascença, onde piadas são colecionadas para serem contadas em reuniões sociais, estas têm o objetivo de ridicularizar e excluir. Observe o que Georges Minois escreve a respeito: Destinadas a ser contadas entre amigos, em reuniões particulares de pessoas do mesmo meio e de mesma cultura, elas [as piadas] desempenham a função de cimento social, excluindo os outros, os outsiders, os estrangeiros, que não são queridos. Os que riem entre si fazem-no, em geral, à custa de um grupo social, étnico ou religioso: blagues antijudeus, antipuritanos, antinobres, anticatólicos… Alvo são também os defeitos, as taras, os vícios; o riso consolida assim os preconceitos e contribui para construir uma sociabilidade por exclusão”.

O mais renomado filósofo a tratar a comédia sob a perspectiva da superioridade foi Thomas Hobbes. Ele escreve: “O entusiasmo súbito é a paixão que provoca aqueles trejeitos a que se chama riso. Este é provocado ou por um ato repentino de nós mesmos que nos diverte, ou pela visão de alguma coisa deformada em outra pessoa, devido à comparação com a qual subitamente nos aplaudimos a nós mesmos.”[5]

Apesar de parecer difícil acreditar que alguém seja capaz de ir a um hospital para aplaudir a si mesmo às gargalhadas ao espiar a desgraça alheia, a teoria da Hobbes foi aceita por muito tempo.

Muitos livros citam Henri Bergson como mais um dos representantes das teorias da superioridade. Essa análise é feita a partir de uma das afirmações que o filósofo francês faz um seu livro O Riso, ensaio sobre o significado do cômico. Segundo Bergson o riso seria um gesto social que corrige uma excentricidade ou desvio antissocial. Esse pensamento encaixa-se perfeitamente no grupo de teorias da superioridade. A questão é que Bergson vai bem além disso, como veremos ainda neste livro.

Sigmund Freud, igualmente, admite que existe um forte traço de agressividade em determinadas piadas. Mas não pense você, que a teoria da superioridade sucumbiu. O professor de comunicação verbal na Universidade da Geórgia, Charles Gruner, é o mais contemporâneo defensor da teoria de Hobbes. Entretanto, Gruner define a agressão do humor como “lúdica”. “Não é uma agressão “real”, no sentido de que não envolve atacar fisicamente e ferir pessoas; em vez disso, é mais parecido com uma brincadeira de luta entre crianças e animais jovens”.[6]

Escreve o próprio Gruner que “quando encontramos humor em alguma coisa, rimos do infortúnio, da estupidez, da falta de jeito, do defeito moral ou cultural, subitamente revelado em outra pessoa, em relação ao qual instantaneamente e momentaneamente nos sentimos “superiores”, já que não somos, naquele momento, infelizes, estúpidos, desajeitado, moral ou culturalmente defeituosos e assim por diante. Sentir-se superior desta forma é “sentir-se bem”; é “conseguir o que deseja”. É vencer!” [7]

Segundo os autores do livro The Psychology of Humor, Rod A. Martin e Thomas Ford, Gruner baseia a sua teoria em uma visão evolucionista de que a propensão para competitividade e agressividade é que permitiu aos seres-humanos sobreviver e florescer. Baseados em pesquisas, esses psicólogos escrevem que não restam dúvidas “de que elementos agressivos desempenham um papel em muitas piadas e outras formas de humor, e que as pessoas têm uma tendência notável para o ridículo e a diversão irônica. No entanto, há poucas evidências que apoiem a visão de Gruner de que todo humor envolve alguma forma de agressão”[8].

É, portanto, inegável que o humor tenha uma tradição de maltratar o que foge da norma, contraria o gosto da maioria ou de um determinado grupo em particular. De forma alguma, contudo, este é o caso de todo o tipo de humor. Mas, convenhamos, saber disso nos dá ferramentas úteis para criar situações cômicas, da mesma forma que nos ajuda a saber o que devemos evitar dependendo do contexto em que estamos inseridos se não quisermos ofender determinadas suscetibilidades ou passar constrangimento, quando apenas nós somos capazes de rir, enquanto a audiência nos observa horrorizada e em silêncio.

[1] Platão. Filebo (p. 131).

[2] Aristóteles. Poética.

[3] Aristóteles. Poética.

[4] Eagleton, Terry. Humor: O papel fundamental do riso na cultura.

[5] Thomas Hobbes. Leviatã.

[6] Martin, Rod A.; FORD, Tomás. A Psicologia do Humor (p. 47).

[7] Martin, Rod A.; FORD, Thomas. The Psychology of Humor (p. 47).

[8] Martin, Rod A.; FORD, Tomás. A Psicologia do Humor (pp. 51-52).